Vivemos uma época em que diferentes correntes filosóficas acerca dos injetáveis ganham lugar no palco
dos procedimentos faciais minimamente invasivos, especialmente sobre os preenchimentos faciais.
Recentemente participei do lendário IMCAS (International Master Course on Aging Science) em Paris e me surpreendi com a diversidade de approaches. Grandes empresas multinacionais lançam seus produtos no mercado mundial e junto ao seu portfólio de produtos, promovem eventos de educação médica continuada para propor técnicas diversas encaixando seus produtos a uma específica aplicação clínica. Muitas vezes, todo esse arranjo se organiza perfeitamente, com nomenclaturas sedutoras, convincentes e realmente aplicáveis. E que fazem todo sentido.
Além disto, os esforços midiáticos e mercadológicos para o enquadramento dos produtos em uma lógica reológica são notáveis e muito convincentes. Ora, nada mais perfeito que a existência de um produto para cada região da face, considerando as características físicas, químicas, morfológicas e moleculares dos respectivos produtos. Além disto, considerando também as características de cada região anatômica a ser “trabalhada”, com os géis tecnológicos comercialmente disponíveis.
Dentro da filosofia e da temática de cada laboratório, um elemento, o médico injetor, ator principal de todo esse
cenário, assume posturas diversas. Ora se posiciona convencido e “treinado” para determinada filosofia e gama de produtos, ora descrente da proposta do laboratório e do produto em questão, e na maior parte das vezes, confuso, não sabendo que técnica adotar para cada região da face.
Mesmo nos bastidores do IMCAS, em valiosas conversas particulares que tive com importantes expoentes do mundo dos injetáveis, dentre eles exímios anatomistas e grandes publicadores, uma surpresa: a mesma pergunta respondida de diversas maneiras! Minha suspeita se confirmara!
Realmente, mesmo longe dos palcos, os pontos de interrogação continuam, as diferentes opiniões se contrastam e a variação anatômica traz ainda mais insegurança a toda certeza acerca dos injetáveis.
Uma questão levantada foi sobre o controverso preenchimento da região glabelar.
Quando indicado, onde deve ser feito? Na região supraperiosteal, em contato com o osso, ou em plano justadérmico, bem próximo da derme? Segundo alguns, o contato com o osso é sempre o maior orientador de segurança, mesmo nas profundezas dos leitos anatômicos. Outros afirmam que é próximo ao osso que estão os vasos de maior calibre, e que, portanto, o plano justadérmico seria o mais indicado. Os defensores do preenchimento supraperiosteal, apoiam a ideia de que por mais que os vasos tenham menor calibre próximo à pele, uma vez dentro do vaso, o gel pode migrar etrogradamente e chegar ao seu ponto mais crítico: a artéria Central da Retina. E que uma vez perdendo contato com o osso, a ponta da agulha pode estar dentro da reta final de vasos ascendentes comunicantes.
Conclusão: voltei do IMCAS fazendo preenchimento glabelar tanto justadérmico quando justaósseo dependendo de características individuais, sempre descolando previamente a região e com bolus único, para reduzir meu risco vascular.
Outro ponto de controvérsia é a região temporal. Os franceses foram enfáticos ao afirmarem que não existe a certeza do plano interfascial. Afirmam que quando imaginamos estarmos entre as fascias, a extremidade da cânula pode perfurar a fáscia Temporal Superficial e estarmos então, dentro da fina camada de tecido subcutâneo da região temporal, ou até mesmo dentro da artéria Temporal Superficial, inadvertidamente. Segundo eles, o plano interfascial não seria exatamente seguro.
Em contrapartida, outros anatomistas apoiam a ideia do plano interfacial para preenchimento da região temporal superior. Mas mesmo entre eles há discordância. Alguns afirmam que o melhor ponto de entrada é na crista têmporo-frontal, pois do periósteo da região, a cânula chegaria automaticamente ao plano interfacial na região temporal, pois ambos compreendem o leito 5 do famoso artigo publicado pelo anatomista Sebastian Cotofana.
Ainda sobre a região temporal superior, alguns defendem o acesso pelo couro cabeludo, afirmando que logo após
ultrapassar o tecido subcutâneo e tento como base profunda, o tecido rígido da aponeurose do músculo Temporal, já estaríamos no plano deslizante interfacial. Somado a toda essa controvérsia, os defensores do plano supraperiosteal para a região temporal superior foram enfáticos ao afirmar que a melhor forma de volumizar essa temível região é a agulha inserida a 90 graus, em contato com o osso.
Como podem observar, essas foram apenas duas das grandes controvérsias presenciadas no IMCAS. E de todo este cenário, o que fica para mim, é a necessidade absoluta de se enxergarmos a anatomia por trás da superfície da pele. Pois assim, e somente assim, conseguiremos assimilar as teorias passadas a nós pelos grandes laboratórios, filtrar
informações de qualidade, adotar técnicas realmente aplicáveis e descartar as que não vão ao encontro da lógica da anatomia. Além disto é preciso não ignorar as mensagens comerciais implícitas à cada filosofia apresentada.
Assim poderemos também eleger ou criar técnicas e equações que fazem sentido clínico, sem nunca menosprezar o substrato anatômico, tão necessário à nossa prática clínica.
Eu sempre digo em meus cursos que somos cientistas natos uma vez que nos convencemos pela evidência científica. Portanto, take home message: nunca percam o cientista que existe em vocês. Desconfiem de fórmulas prontas. Conheçam o que a ciência já confirmou e dentro desde conhecimento, observem o “novo” com olhos investigadores vislumbrando novas descobertas sem, entretanto, se afastar da evidência científica!
Nosso evento está se aproximando e até lá, vamos nos falando e aquecendo nossas ideias! Até nossa próxima matéria!